
As maiores personalidades do Brasil estão nesta disputa, mas a escolha continua e você vai decidir.

Já sentado à mesa, Pedro Bial, de 54 anos, fala com eloquência, gesticula, usa gírias e palavrões. Não põe freios nas frases. Leva a boca até o copo de café com licor, levanta a cabeça e limpa o bigode branco de chantili, sem perder o raciocínio. Ri alto, conta casos e cita trocentos pensadores, sempre dentro de um contexto, para embasar seus argumentos. É um apresentador de ideias em vias de estrear um programa, “Na moral”, que vai ao ar quinta-feira, depois de “Gabriela”, na Globo.
— Saltei do trampolim, só não sei se a piscina está cheia ou vazia — diz ele, descrevendo sua sensação antes da estreia para o diretor de TV Ricardo Waddington, com quem encontra por acaso. — Estou apavorado.
“Na moral” vai reunir convidados em torno de assuntos diversos. Entre os primeiros visitantes, estão Maria Paula e o cantor Alexandre Pires, que vai atacar de DJ. A ideia é pôr em confronto diferentes pontos de vista sobre um assunto. Sem o objetivo de chegar a uma conclusão.
— O divertido é ficar entre a tese e antítese. Exercitar a frase do (escritor) F. Scott Fitzgerald: “O teste de uma inteligência de primeira categoria é a capacidade de manter duas ideias opostas e manter a mente funcionando”. É o que estou propondo para o programa. As ideias terão que se aturar.
Bial está agitado, vibrando, só pensa no programa. Se moral fosse comida, estaria obeso. Vem devorando publicações relacionadas ao tema, como “Ser feliz hoje — Reflexão sobre o imperativo da felicidade”, a biografia de Michel Motaigne (“Como viver”) e livros de Joe Sacco e Ken Follett, dois de seus autores favoritos. Semana retrasada, saiu de olhos arregalados do cinema depois de ver “Flores do Oriente”, sobre o Massacre de Nanquim, na China. Um filme que, para Bial, é todo sobre moral.
— Nesses momentos, viro uma esponja. Deixo entranhar o negócio. Trabalhar comigo é, às vezes, exasperante. Fico apavorado e irascível. Sou acelerado — descreve o apresentador. — Também estou conversando com pessoas que me ajudam a refletir sobre a moral. Fiquei horas num almoço com a Fernanda Montenegro e vou encontrar agora a crítica de teatro Barbara Heliodora.
Filho de refugiados da Segunda Guerra, jornalista, poeta, pai de três filhos e cineasta (está lançando o documentário “Jorge Mautner — Filho do Holocausto”), Bial contou que também é meio guarda de trânsito no Horto, onde mora. A conversa começou tratando do assédio dos paparazzi, engrenou quando ele comentou sua trajetória — de correspondente internacional a apresentador do polêmico reality show (“Encarei tudo na vida como missão profissional”) —, esquentou ao falar sobre drogas e terminou com uma declaração de amor. Bial disse que tomou antidepressivos por anos. Só parou porque se apaixonou:
— Outra droga! (risos)
Confira a entrevista.
O GLOBO: É chato para você andar pelo Leblon? Algum paparazzo seguiu você até aqui?
PEDRO BIAL: Ah, isso não acontece só no Leblon, é por toda a cidade. Virou um vale tudo. Estava na Prainha com a minha namorada (a professora de inglês Roberta Rodrigues) e me fotografaram quando fiquei de quatro para dar um beijo nela, que estava deitada na canga. Claro que essa foi a foto publicada pelos sites de fofoca. Eles escolhem as imagens mais embaraçosas. Parece que tem um paparazzo que é o “dono” de Geribá (Búzios). Estava jogando uma pelada lá, errei uma bicicleta e caí no chão. Aí vira manchete: “Bial leva tombo em Geribá”. Não escolhi ser uma pessoa pública. E ninguém gosta de ser alvo da piada dos outros. Prefiro “rir com”. Mas fazer o quê? São as notícias mais acessadas na web. A cara dos tempos de hoje.
Esse assunto pode ser discutido no “Na moral”?
BIAL: Pode, claro. A invasão e a evasão da privacidade. Sem procurar moralizações, a gente quer conversar sobre pequenas decisões morais que tomamos todos os dias.
Moral sem moralismos, certo?
BIAL: Não sou contra o moralismo. O moralismo virou sinônimo de falso moralismo no Brasil, o que é errado. Nelson Rodrigues era um grande moralista, mas era chamado de imoral. Ele chamava atenção para questões morais expondo a suposta imoralidade. As pessoas julgam a História a partir de critérios moralizantes.
Dá um exemplo desse falso moralismo?
BIAL: ”Big Brother Brasil 12″. A espanhola Noemi vem passar uns dias na casa e, diferentemente dos outros participantes, troca de roupa sem se esconder. Faz isso da forma mais natural e inocente. Mas, nos sites de fofoca, escrevem “Noemi mostra mais do que devia”. Quem diz o que ela deve ou não mostrar? As pessoas fazem julgamento moral até num reality show onde os participantes mostram podres terríveis, no país do “Créu”, do carnaval e do biquíni fio-dental.
Esse vai ser o seu primeiro programa de TV semanal depois que você começou a apresentar o superpopular “BBB”. Você já leva numa boa todas as críticas ao “Big Brother”?
BIAL: Eu tomo muita porrada com o “BBB” e acho maravilhoso o direito de me darem porrada. Estou aí, meus ombros aguentam. Mas, uma vez, me ligou lá de Barreirinha, na Amazônia, o Thiago de Mello (poeta), dando os parabéns por eu tratar com respeito os participantes do “BBB”. Muitos acham inadmissível eu tratar as pessoas do programa como gente. “Como você trata bem essa escória?!?”. Escória nada, é gente que nem a gente.
Algumas pessoas criticam você, que é um poeta e já foi correspondente de guerra, por apresentar um reality show como o “BBB”…
BIAL: Não vejo maior nobreza na correspondência de guerra do que na apresentação de um show ligeiro. Ou no trabalho do neurocirurgião se comparado com o do sapateiro. Se for bem feito, é nobre. Encarei tudo na vida como missão profissional. No final de 1995, eu ainda morava na Europa. Estava indo ver a ópera “Sansão e Dalila” quando o Evandro Carlos de Andrade (diretor de jornalismo da Globo na época) me ligou dizendo “Eu quero você no ‘Fantástico’ e não aceito não como resposta”. As colunas do templo caíram antes da ópera (risos). Eu estava em Londres havia oito anos e achava que nunca mais ia voltar. Mas sabe o que é isso? Lei do mercado. Eu era um correspondente internacional muito bem formado, mas o mercado tinha outra demanda. Eu me submeto às leis do mercado.
Você tem contato com ex-participantes do “BBB”?
BIAL: O Jean (Willys, deputado federal pelo PSOL-RJ), por exemplo, por causa da militância dele. Admiro muito os militantes, acho incrível. Eu não tenho o vírus da militância, dá trabalho. Mas sou contraditório. O João Carrascoza (autor) disse que vou acabar louco e guarda de trânsito. Perto de onde eu moro, no Horto, tem uma rua onde as pessoas fazem uma contramão perigosíssima. Quando vejo, entro na rua e mando o carro voltar, brigo mesmo. Tenho espírito cívico.
Falta isso no país?
BIAL: No Brasil, o espírito cívico sempre foi monopolizado pelo autoritarismo. Primeiro com Getúlio Vargas e, depois, com a ditadura militar, na qual eu fui criado. Na época, quem vestia a bandeira era acusado de se curvar aos militares. Todo civismo no Brasil sempre foi eivado de autoritarismo. Já na era Collor, o esporte era falar mal do Brasil, da merda que era esse país. Agora, virou do avesso. Dizem que somos o futuro, o que é tão mentiroso quanto. Não somos aquela merda, mas não estamos com essa bola toda.
Você estudou na PUC nos anos 70. Chegou a fazer parte de manifestações políticas?
BIAL: Foi o ressurgimento do movimento estudantil. Maior barato. Eu nunca tinha vivido política. Participei da minha primeira manifestação na PUC, cercada por helicópteros, gente fazendo discurso… Mas eu era considerado da Patrulha Odara, sem alinhamento político, partido. Só que eu tinha certa popularidade, fazia recital de poesia… As pessoas tentavam me cooptar.
E qual era a trilha sonora?
BIAL: Era o rock de Raul Seixas e Rita Lee. Eu fiz intercâmbio em 1974 e, quando voltei, vi meu primeiro show do Raul. Pirei. Tocava muito também aquela chatice do rock progressivo. Yes, Genesis…
Era uma época de rock e muitas drogas. Você usava alguma? E hoje?
BIAL: Experimentei de tudo. Mas o perigo maior era o álcool, que é legal. Ainda bebo, e quando ia para a Holanda, frequentava coffee shops. Mas não posso usar nada ilegal porque sou muito visado. E os malefícios do álcool você sente na hora. Acho que o homem nasceu duas doses abaixo do normal, como dizia Humphrey Bogart. Mas tento me segurar. Sou muito mais louco quando estou careta.
Você sai muito de casa?
BIAL: Não. Estou meio antissocial. Para me levar num cinema é uma luta. Vejo DVD. Também não tenho mais saco de viajar. Aeroportos lotados, muita confusão. Durante os oito anos na Europa, metade do ano eu passava fora de casa. Então, muita coisa eu já dei por visto. Tem show de fulano? Ouço o disco. Hoje, vejo muito mais cinema infantil, por causa das crianças.
Você disse que fazia recitais na época da PUC. Foi aí que nasceu a ideia de fundar o Camaleões?
BIAL: Não sou um bom poeta. Uso recursos de quem leu poesia para escrever, mas não me reputo poeta. Quando entrei na Globo, entrou comigo o Claufe Rodrigues, um grande poeta. Ele e o Luiz Petry me chamaram para o Camaleões. Os recitais de poesia foram ótimos para a minha narração. Para eu me apresentar, projetar a voz e perder a timidez.
Aquele texto “Filtro solar” não é seu, mas a sua gravação virou clichê de festa de formatura….
BIAL: E eu nem gosto. Tem uma pegada publicitária genial, mas eu não compro o ideário da cultura americana exposto ali. O texto é de uma colunista do “Chicago Tribune”, já estava fazendo sucesso na web, e eu gravei para um CD da Sony. Não é meu. Aliás, a quantidade de textos assinados com meu nome na internet é incrível. A pessoa quer tanto ser lida que assina com nome de outra pessoa. Sem vaidade. Eu não entendo. Porque, vamos ser honestos, a vaidade nos move!
Você gosta de jogar seu nome no Google?
BIAL: Só quando quero sofrer (risos). Olha, tem uns babacas que faziam um site chamado “BigBostaBrasil”. Era até engraçado, mas os caras começaram a se levar a sério. Eles inventaram de me chamar de Pedro Bialski. E, até hoje, volta e meia, alguém vai na página do “Wikipedia” sobre mim e escreve “nascido Bialski”. Já entrei e mudei 20 vezes. Meu nome nunca foi Bialski. Vou falar com o Julian Assange sobre isso (risos).
Que uso você faz da internet?
BIAL: Faço muita pesquisa. Mas sagrado para mim, na internet, é a “The Economist” no iPad. Parece um pouco besta dizer isso, mas não é. E se for, também, foda-se! Se eu tivesse que ler uma publicação no mundo por semana, eu leria a “Economist”, toda sexta-feira. Não é uma publicação de economia, como o nome faz pensar.
A internet, as redes sociais, potencializaram a patrulha do politicamente correto…
BIAL: O politicamente correto é uma volta ao passado, quando se acreditava que o homem era essencialmente bom. Mas o homem é fundamentalmente mau. Por isso, acho que o “Na moral” pode dar certo. Vamos colocar as teses e antíteses em debate. Sem buscar conclusão. Elas terão que se engolir.
Para terminar… numa entrevista à “Playboy”, você disse que uma vez tomou umas gotinhas de Rivotril antes de entrar ao vivo no “BBB”. Ainda faz isso?
BIAL: Minha garota fica preocupada com meu uso de medicamentos, mas eu parei. Usei antidepressivos durante anos. Tive uma depressão violenta na virada do milénio, por problemas pessoais, e fui medicado. Uma dose alta nos dois primeiros anos e, depois, uma dose pequena, só para manutenção. O Rivotril era para baixar a bola e dormir, porque sou muito acelerado. Tomei algumas vezes umas gotinhas no “BBB”. Mas parei com tudo há um ano e meio.
Mas parou por quê?
BIAL: Parei porque me apaixonei. Outra droga!